Egoísmo

Somos todos um bocadinho egoístas, em alguma altura da nossa vida, mesmo que não tenhamos noção real disso. A palavra egoísmo tem uma conotação negativa, e é quase sempre usada para descrever um acto, pensamento ou acção que de alguma forma teve um impacto nefasto noutros, pois implica que os interesses, opiniões e desejos do individuo foram colocados em primeiro em detrimento dos restantes.  Acho, no entanto, que o seu significado não pode ser interpretado de forma assim tão simplista, e que há várias camadas que revestem o egoísmo e lhe conferem diferentes níveis e alcances. Há alturas em que pôr o nossos desejos e interesses à frente não só é legitimo, como necessário, para que possamos manter alguma sanidade mental e preservar um pouco a nossa individualidade, num mundo frenético como o que vivemos. Há, no entanto, para mim um cenário em que o egoísmo perde toda a força, e acaba por forçosamente ser colocado de parte. Quando nos tornamos mães e pais.
Quando o centro do nosso mundo muda, percebemos que os interesses e desejos daquele pequeno ser passam a ser os mais importantes, e que não podemos ser dominados por esses interesses, mas devemos lhes dar primazia e consideração máxima. Afinal, senão pomos os interesses dos nossos filhos em primeiro lugar que raio de pais somos nós?! – repreende-nos a sociedade em geral.
Mas há dias em que essa tarefa parece colocar em cima de nós o peso do mundo, e testa os nossos limites. Há dias em que o cansaço nos tolda o discernimento e a vontade de sermos egoístas ganha força. De pormos os nossos desejo e vontade à frente de tudo, de reclamarmos o nosso direito a ficar no sofá a vegetar em vez de sairmos e proporcionarmos novas experiências aos nossos filhos.
Recentemente, cheguei a casa depois de um exaustivo dia de trabalho, com vontade de desligar o cérebro e apenas descansar. Um convite para sair, jantar, e levar a criança a experimentar pela primeira vez algo novo, desafiou o meu egoísmo. Se por um lado o meu egoísmo me puxava e segredava para ceder ao cansaço e recusar, o meu lado racional de mãe afirmava que a criança não tinha culpa do meu cansaço e merecia ter um experiência diferente. Senti literalmente que tinha um diabo no ombro esquerdo e um anjo no ombro direito, ambos a apresentar a sua argumentação tentando convencer o júri (eu) que a razão estava do seu lado. Após um tempo de reflexão sobre os argumentos apresentados, cheguei ao veredicto – o egoísmo era culpado, e a razão inocente. Decidi aceitar o convite e sair.
A felicidade estampada na cara da minha filha durante a noite venceu qualquer ponta de exaustão ou cansaço, e encheu o meu coração de orgulho. Ela estava feliz, e eu estava feliz com a felicidade dela. Talvez este altruísmo seja mais uma das coisas que a maternidade nos ensina sem nos apercebermos. Percebermos que pormos os interesses deles à frente dos nossos é mais gratificante que nos prendermos ao nosso egoísmo.
Se este altruísmo acontece todos os dias? Claro que não! Se há dias em que também merecemos dar ouvidos ao nosso egoísmo? Sem dúvida! Como em tudo, temos de encontrar um equilíbrio, e talvez esse seja o grande desafio.
Neste dia, o egoísmo perdeu e eu ganhei, ganhei um sorriso que me aqueceu o coração até o cansaço vencer e finalmente adormecer, no final de um dia longo, cansativo mas seguramente gratificante.

RuiTorresphotography



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